segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Para os alunos da turma 902

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Estamos no outono. Dos veteranos, já não há muitos. Sou o último dos sete
colegas de turma que vieram para cá.
Todos falam de paz e armistício. Todos esperam. Se for outra decepção,
eles vão se desmoronar, as esperanças são muito fortes; é impossível destruí-las
sem uma reação brutal. Se não houver paz, então haverá revolução.
Tenho catorze dias de licença, porque engoli um pouco de gás. Num
pequeno jardim, fico sentado o dia inteiro ao sol. O armistício virá em breve, até
eu já acredito agora. Então iremos para casa.
Neste ponto, meus pensamentos param e não vão mais adiante. O que me
atrai e me arrasta são os sentimentos. É a ânsia de viver, é a nostalgia da terra
natal, é o sangue, é a embriaguez da salvação. Mas não são objetivos.
Se tivéssemos voltado em 1916, do nosso sofrimento e da força de nossa
experiência, poderíamos ter desencadeado uma tempestade. Mas, se voltarmos
agora, estaremos cansados, quebrados, deprimidos, vazios, sem raízes e sem
esperança. Não conseguiremos mais achar o caminho.
E as pessoas não nos compreenderão, pois, antes da nossa, cresceu uma
geração que, sem dúvida, passou esses anos aqui junto a nós, mas que já tinha um
lar e uma profissão, e que agora voltará para suas antigas colocações e esquecerá
a guerra... e, depois de nós, crescerá uma geração, semelhante à que fomos em
outros tempos, que nos será estranha e nos deixará de lado. Seremos inúteis até
para nós mesmos. Envelheceremos, alguns se adaptarão, outros simplesmente
resignar-se-ão e a maioria ficará desorientada; os anos passarão e, por fim,
pereceremos todos.
Mas talvez tudo que penso seja apenas melancolia e desalento, que
desaparecerão quando estiver de novo sob os choupos e ouvir novamente o
murmúrio das suas folhas. É impossível que já não existam a doçura que fazia
nosso sangue agitar-se, a incerteza, o futuro com suas mil faces, a melodia dos
sonhos e dos livros, os sussurros e os pressentimentos das mulheres, tudo isto não
pode ter desaparecido nos bombardeios, no desespero e nos bordéis. Aqui, as
árvores brilham, alegres e douradas, os frutos das sorveiras têm matizes
avermelhados por entre a folhagem; as estradas correm brancas para o horizonte,
os boatos de paz fazem as cantinas zumbirem como colméias.
Levanto-me.
Estou muito tranqüilo. Que venham os meses e os anos, não conseguirão
tirar mais nada de mim, não podem me tirar mais nada. Estou tão só e sem
esperança, que posso enfrentá-los sem medo. A vida, que me arrastou por todos
esses anos, eu ainda a tenho nas mãos e nos olhos. Se a venci, não sei. Mas
enquanto existir dentro de mim ― queira ou não esta força que em mim reside e
que se chama “Eu” ― ela procurará seu próprio caminho.
Tombou morto em outubro de 1918, num dia tão tranqüilo em toda a linha
de frente, que o comunicado limitou-se a uma frase: “Nada de novo no.front”.
Caiu de bruços e ficou estendido, como se estivesse dormindo. Quando
alguém o virou, viu-se que ele não devia ter sofrido muito. Tinha no rosto uma
expressão tão serena, que quase parecia estar satisfeito de ter terminado assim.

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